(27) 3207-2077

Nos chame no WhatsApp

contato@pqrs.adv.br

Nos chame no Email

Nossa localização

R. Fortunato Ramos, 245 - salas 807/808
Santa Lucia, Vitória - ES, 29056-020

Auxílio Moradia na Residência Médica: Novo Decreto nº 12.681/2025 e o entendimento da jurisprudência de 30% sobre a bolsa de residência médica

Desde 1981, a legislação brasileira assegura aos médicos residentes o direito à moradia durante o programa de residência médica. A Lei nº 6.932/81, em seu art. 4º, §5º, inciso III, determina que as instituições de saúde responsáveis pelos programas de residência forneçam moradia aos residentes, nos termos que viessem a ser regulamentados.

Na prática, essa obrigação pode ser cumprida de duas formas: oferecendo alojamento gratuito ou pagando um auxílio financeiro compatível com os custos de habitação. Embora a lei não estipulasse expressamente o valor desse auxílio, a jurisprudência consolidou o entendimento de que ele deve equivaler a 30% do valor da bolsa de residência.

Esse percentual de 30% foi adotado pelos tribunais por refletir de forma razoável as despesas adicionais  e diárias de moradia dos residentes, muitos dos quais precisam se deslocar para cidades distantes de suas famílias.

Nos últimos anos, diversos médicos residentes recorreram ao Judiciário para exigir esse direito quando suas instituições não forneciam alojamento. Os tribunais brasileiros têm reiteradamente reconhecido o dever de converter a moradia não oferecida em pecúnia, no valor equivalente a 30% da bolsa, desde o início da residência, independentemente de necessidade financeira ou se o médico reside na mesma localidade onde presta a residência.

Desde a vigência da lei, o benefício deveria ser automaticamente incluído nos programas de residência, e a sua omissão gera ao residente o direito de buscar judicialmente os valores devidos.

O NOVO DECRETO Nº 12.681/2025 E AS MUDANÇAS NO AUXÍLIO MORADIA

Em 21 de outubro de 2025, foi publicado o Decreto Federal nº 12.681/2025, regulamentando justamente o art. 4º, §5º, III, da Lei 6.932/81, para detalhar a concessão de moradia e do auxílio-moradia aos médicos residentes. Esse decreto deve passar a ser implementado gradativamente pelas instituições de saúde e ensino, visando uniformizar nacionalmente a forma de concessão do benefício.

A principal mudança trazida pelo decreto é a regulamentação final do direito do médico residente ao auxílio moradia, com definição expressa do valor do auxílio-moradia em 10% do valor da bolsa de residência médica e, a partir de agora, quando a instituição não disponibilizar alojamento adequado, o médico-residente fará jus a um auxílio mensal equivalente a 10% do valor base da sua bolsa. Tomando como referência o piso nacional atual da bolsa (cerca de R$4.106,09), esse auxílio mínimo seria de aproximadamente R$ 410,60 por mês.

O decreto estabelece ainda diversas regras quanto à duração e condições do benefício, estipulando, por exemplo, que o auxílio vigorará por todo o período da residência médica, inclusive durante afastamentos legais como licenças médicas e maternidade, cessando apenas em caso de desligamento do programa de residência.

O texto também ressalta que o pagamento em dinheiro só ocorre se a instituição efetivamente não oferecer estrutura habitacional para o residente, preservando, portanto, a preferência pelo fornecimento de moradia in natura. Além disso, define critérios de prioridade para uso dos alojamentos, dando preferência a residentes inscritos em programas sociais como CadÚnico ou ingressantes por ações afirmativas, e atribui às instituições os custos de manutenção do imóvel concedido, ficando o residente responsável apenas pelas despesas de consumo (água, luz, internet, etc.).

Em suma, o novo decreto veio formalizar e detalhar uma obrigação que, na prática, já existia desde 1981: assegurar condições dignas de moradia aos médicos em formação. Contudo, ao fixar o auxílio em 10%, o decreto reduziu o valor anteriormente aplicado (30%), gerando preocupações sobre o impacto nos residentes e a transição para esse novo patamar.

Direito Adquirido e Irretroatividade: Garantia dos 30% até o Decreto

Um ponto fundamental a ser exaltado é a proteção dos direitos adquiridos dos médicos-residentes que já vinham fazendo jus ao auxílio-moradia antes da vigência do novo decreto. No Ordenamento Jurídico brasileiro vigora o Princípio da Segurança Jurídica, de forma que leis novas não podem reduzir ou extirpar direitos adquiridos ou esperados sob a égide de entendimento anterior.

Esse princípio da irretroatividade das leis impede que uma alteração normativa superveniente suprima ou restrinja direitos já incorporados ao patrimônio jurídico dos indivíduos, salvo para beneficiá-los, sendo a irretroatividade uma vedação da aplicação retroativa de novas normas em prejuízo de direitos já consolidados.

Aplicando tais conceitos ao caso do auxílio-moradia, de forma equiparativa, todos os médicos residentes que até a data de publicação do Decreto nº 12.681/2025 já tinham direito ao recebimento do auxílio-moradia, por não lhes ter sido oferecida moradia pela instituição, conservam o direito ao percentual de 30% que vinha sendo aplicado pela jurisprudência, no período anterior à vigência do decreto.

Mesmo que ainda não exercido, o direito ao auxílio moradia já estava incorporado às condições da residência médica durante aquele período, conforme o entendimento jurisprudencial então vigente, tratando-se de um direito adquirido. A superveniência do decreto, ao fixar o auxílio em 10% dali em diante, não pode retroagir para afetar negativamente o direito de receber 30% referente aos meses anteriores.

Qualquer aplicação retroativa dessa nova regra seria flagrantemente prejudicial aos residentes e contrariaria o postulado jurídico de que norma nova não alcança situações passadas para deteriorar a condição do beneficiário da lei anterior.

Cabe lembrar que o direito ao auxílio-moradia de 30% para quem esteve em residência antes do decreto não dependia de regulamentação e foi afirmado pelos tribunais com base direta na lei.

Assim, mesmo com a entrada em vigor da nova norma regulamentar (que, frise-se, tem efeitos ex nunc, isto é, para frente), permanece assegurado o direito de reclamar judicialmente os valores de auxílio-moradia calculados em 30% da bolsa referentes ao período anterior a 20/10/2025. Esse entendimento se apoia tanto no princípio constitucional já citado, quanto em vasta jurisprudência consolidada.

POSSIBILIDADE DE REQUERER JUDICIALMENTE OS 30% RETROATIVOS

Assim, qualquer médico residente ou que já tenha concluído a residência que teve seu direito ao auxílio-moradia de 30% constituído antes do decreto, ou seja, realizou programa de residência sem receber moradia nem auxílio em período anterior a 21 de outubro de 2025, poderá pleitear esse direito na Justiça.

Os pedidos judiciais poderão abarcar os valores correspondentes a 30% do valor bruto da bolsa por mês, relativos a cada mês em que o residente não usufruiu de moradia fornecida pela instituição, montantes estes que muitas vezes superam dezenas de milhares de reais e podem ser recuperados judicialmente pelos médicos lesados.

Convém ressaltar alguns aspectos práticos confirmados pela jurisprudência: não se exige que o residente comprove gastos efetivos com aluguel ou mudança de domicílio para outra cidade, eis que o direito ao auxílio independe dessas circunstâncias, pois decorre do simples descumprimento da obrigação legal pela instituição, inclusive sendo devido mesmo nos casos em que o residente preste seus serviços no mesmo local aonde mora.

Também não é necessária a formulação de requerimento administrativo prévio à instituição para só então recorrer ao Judiciário. Os tribunais entendem que a ausência de pedido prévio não afasta o interesse de agir, já que ninguém pode ser privado de acesso direto à Justiça para fazer valer um direito previsto em lei.

Eventuais termos de renúncia ao auxílio-moradia que tenham sido impostos ao residente (por exemplo, cláusulas em contrato de residência ou editais) jamais podem prevalecer, pois o caráter irrenunciável de direitos desta natureza, ligados a condições mínimas de trabalho e capacitação, é reconhecido, e tais termos costumam e devem ser considerados nulos.

Portanto, todos os médicos que cumpriram residência médica até a data de publicação do novo decreto, sem receber moradia ou auxílio correspondente, mantêm o direito de buscar judicialmente os 30% sobre a bolsa referentes a esse período e a nova regulamentação não os impede de reivindicar o que já era devido, uma vez que esse direito se incorporou ao seu patrimônio jurídico, pela justa expectativa.

No caso em análise, aplicar retroativamente o percentual reduzido de 10% seria prejudicial aos residentes, diminuindo um direito já consolidado, situação que o ordenamento não permite.

O Decreto nº 12.681/2025 marca um novo capítulo na regulação da residência médica, trazendo segurança jurídica prospectiva ao finalmente definir parâmetros objetivos (como os 10% de auxílio-moradia) a serem observados doravante.

Entretanto, essa inovação normativa não apaga nem diminui os direitos dos residentes no período pré-decreto, de forma que até 20 de outubro de 2025 deve vigorar o entendimento até então pacificado pelo direito ao auxílio-moradia de 30% da bolsa ao residente não alojado pela instituição. Esse direito, adquirido sob a égide da legislação e jurisprudência anteriores, segue resguardado.

Com isso, concilia-se a efetividade imediata do novo regramento com a garantia de que nenhum direito pretérito foi perdido, preservando a confiança legítima dos médicos em formação e a própria integridade das promessas legislativas que lhes foram feitas

 

Renan Pinheiro Ronconi
Renan Pinheiro Ronconi